Goiânia - Ano III - 119
Olá Químicos e Agregados.
Pois é. Li esse post aqui, ó. É da professora Suzana Herculano-Houzel, neurocientista da UFRJ. Esse texto anda circulando nas redes sociais com uma quantidade grande de gente concordando e uma minoria bem minoritária (desculpem-me, não resisti) discordando de grande parte do texto. Bom, como devem saber, eu estou nessa minoria. Leia o texto lá e depois voltem aqui. Vamos às discordâncias. Esse texto vai ficar um pouco longo, mas, paciência.
Definitivamente, fazer carreira na área científica no Brasil pode até ser difícil, mas não é uma coisa que cause "espanto ou revolta", como ela diz. Vamos a algumas discussões.
Observemos a Iniciação Científica. A professora argumenta que a molecada ganha em torno de 400 reais, que isso é muito pouco, é menos que um salário mínimo. Mas ela talvez tenha esquecido de dizer que são 400 reais por 12 horas de trabalho semanais. Se o menino ou menina trabalha mais do que isso, o orientador está de fato, explorando o coitado ou coitada. Aliás, existem várias maneiras de explorar os meninos no laboratório. O termo Iniciação quer dizer algo relativo a iniciar a molecada na ciência. E para isso, tem-se até uma bolsa. Iniciação não é mão de obra barata. É aprendizado, acompanhamento de perto das atividades dos caras, ensinamentos. Bolsista de IC não é estagiário. Não penso a Iniciação Científica como um estágio, mas como uma iniciação a pesquisa e ao desenvolvimento. Estágio está mais relacionado a treinamento.
Faltam bolsas? Faltam, mas não é uma questão relativa a pesquisa e sim a própria estrutura da universidade que temos e a grande desigualdade social do Brasil que não se resolverá nos próximos 50 anos. Não vejo que os meninos que "trabalham" no laboratório sem bolsa, estão fazendo isso "de graça". Ele é voluntário. Está ali por que quer. Terá a chance de iniciar-se na pesquisa e poderá ter trabalhos e artigos com o seu nome. Cabe ao orientador não exigir desse sujeito dedicação total a pesquisa, 12 horas de trabalho, fim de semana dedicado, essas coisas. Mas é muito importante que tenhamos voluntários nos laboratórios até para saber se é isso mesmo que o sujeito quer da vida.
Essa cara poderia ser remunerado? Claro que poderia, mas dizer que isso é uma tragédia e que é vexaminoso, penso ser um exagero. Importante salientar que essa prática é muito comum em vários países do mundo, inclusive em grandes universidades. Nunca haverá bolsa pra todo mundo. Em lugar nenhum.
Carreira científica é questão de escolha. Você sabe que a bolsa de mestrado é de 1350, que a de doutorado é de 1800, que cê não contribui pra previdência, que não tem carteira, não tem direito trabalhista etc e tal. Você sabe que se tivesse escolhido Engenharia, Advocacia entre outras profissões, estaria, nesses 7 ou 8 anos (mestrado e doutorado) que fez a pós ganhando horrores, rachando de ganhar seus 5 mil, 7 mil ou mais de reais, certo? Certo. Então é simples. Faça engenharia ou advocacia. A questão é de escolha, é de gosto, é de prazer. Quer ganhar dinheiro, tá na profissão errada. Mesmo porque, no mestrado, você recebe praticamente 2 salários mínimos para estudar e no doutorado, 3 salários mínimos para o mesmo fim.
Pessoal, por favor, não me venha dizer que fazer mestrado e doutorado é difícil, cansativo, que você trabalha todo dia as 8 horas completas, que comparece todo dia no laboratório, etc e tal que sei que é mentira. Pode me xingar a vontade, mas cursar pós graduação em qualquer laboratório NÃO é a mesma coisa de trabalhar 44 horas por semana na profissão que você escolheu. É muito mais simples e com menos responsabilidade.
Bom, aí ela continua a fazer comparações entre estudantes de pós e seus amigos que já estão no mercado de trabalho, rachando de ganhar dinheiro, e você, lá, pobrão da vida! Coitado de você que fez essa opção, né? Estava enganado o tempo todo. Depois ela fala que você enfim, após acabar o doutorado, vai para o mercado de trabalho, que são as universidades e que elas contratam professores e não pesquisadores.
Ora, a maior vantagem das universidades públicas no país é o tripé ensino, pesquisa e extensão. Você terá aulas com pesquisadores e os exemplos que eles podem ou não dar em sala de aula tem relação com suas pesquisas. Esse é um dos aspectos que diferenciam as universidades públicas das particulares. Se o cara acaba o doutorado e nunca deu aula na vida dele, aí, sim, temos um problema. Como um sujeito que irá ministrar aulas em nível superior nunca deu aulas na sua vida? Esse é o problema que temos que atacar, considerando-se que a boa pesquisa se produz na universidade. Vejam bem, temos que remediar um problema e não atacá-lo como se isso fosse ruim para a universidade. Não é. Professor Universitário tem que dar aula, além de fazer sua pesquisa. É importante para ele, para sua pesquisa e para o país. Se tivéssemos somente institutos de pesquisa, nos quais os grandes pesquisadores não ministrariam aulas, as universidades periféricas do país ficariam com o que? Não fariam pesquisa? Formariam somente mão de obra? Penso que, talvez, por trás dessas falas da professora sobre a necessidade de termos cargos de pesquisador no Brasil, dentro das universidades está travestida dessa ideia, da qual, como podem ver, não concordo.
Depois ela fala que você não ganha um centavo a mais para produzir ciência no Brasil. Uai, você é contratado para fazer pesquisa, ensino e extensão, então, já tá incluso no pacote salarial. Não entendi. Talvez ela esteja se referindo ao fato de que não ganhamos nenhum centavo a mais por orientarmos 8 mestrandos e 6 doutorandos além dos alunos de IC. Mas, não existe obrigatoriedade aí, não. Eu posso orientar um mestrando e um doutorando. Na hora da redução do trabalho na universidade todo mundo quer cortar a carga horária de aula, mas ninguém pensa em diminuir as orientações. Engraçado, né? Ou seja, o cara quer ser apenas pesquisador. Ponto. Essa não é nossa realidade. Grandes pesquisadores internacionais não deixam de ministrar suas aulas na graduação. Simples assim.
E vai dizer que tá faltando vaga para doutor no Brasil, hoje? É até engraçado. O problema, que talvez ela não tenha se atentado, é que muitos caras acabam o doutorado, recém doutores, querem ficar no sudeste, nos grandes centros. Ninguém quer sair da zona de conforto. Ninguém quer fazer ciência de fato fora do sudeste. Ninguém quer abrir caminhos. Ninguém quer fazer o país crescer. Uma quantidade grande de doutores ficam fazendo pós doutorado enquanto uma série de universidades PÚBLICAS no Brasil não preenchem suas vagas por falta de candidato doutores.
Conheço alguns casos de recém doutores que saem do sudeste e começam a trilhar um caminho árduo em fazer ciência fora do eixo sudeste. Nenhum está insatisfeito, pois passam a sentir que estão colaborando para o crescimento do Brasil e estão nos locais onde se precisa de fato de gente que queira desbravar.
Finalmente, o salário. Não vou me alongar. Nosso salário é equivalente aos salários de professores-pesquisadores europeus e estadounidenses. Com poucas variações, para baixo e para cima.
Sinceramente, não acho que um recém doutor, que nunca deu aula, contratado em uma instituição pública, efetivo após 3 anos, garantido nos próximos 30, com no máximo 16 horas por semana de aula (professor do ensino médio ministra isso com os pés nas costas e para adolescentes!!!), sendo que a média nacional é de 10 horas aulas, ganhe pouco, ou que tenha que ganhar de fato, 15, 20 mil. Vejam bem, não é o doutor no Brasil que ganha relativamente pouco, são as outras profissões que não exigem título que ganham relativamente muito!!! Isso também é desigualdade social.
Salário inicial de um doutor no Brasil, líquido. Aproximadamente 6 mil e 200. Pouco? Não. Muito? Também não. Poderia ser mais? Ou os outros cargos, como os da Receita Federal poderiam ser efetivamente menos? Compatíveis com a função? Essa é a discussão.
Bem, me alonguei demais. Sintetizando, penso que a visão da professora, sem desmerecer sua grande contribuição a ciência no Brasil, não confundo uma coisa com a outra, ainda é um tanto positivista em relação ao papel do pesquisador na universidade e claro, à sua formação.
O assunto é controverso, aceito críticas. Lembrem-se sempre de descer o bambu nas ideias e não na pessoa.
É isso.