terça-feira, 18 de dezembro de 2012

EM RELAÇÃO A CARREIRA CIENTÍFICA

Goiânia - Ano III - 119

Olá Químicos e Agregados.

Pois é. Li esse post aqui, ó. É da professora Suzana Herculano-Houzel, neurocientista da UFRJ. Esse texto anda circulando nas redes sociais com uma quantidade grande de gente concordando e uma minoria bem minoritária (desculpem-me, não resisti) discordando de grande parte do texto. Bom, como devem saber, eu estou nessa minoria. Leia o texto lá e depois voltem aqui. Vamos às discordâncias. Esse texto vai ficar um pouco longo, mas, paciência.

Definitivamente, fazer carreira na área científica no Brasil pode até ser difícil, mas não é uma coisa que cause "espanto ou revolta", como ela diz. Vamos a algumas discussões.

Observemos a Iniciação Científica. A professora argumenta que a molecada ganha em torno de 400 reais, que isso é muito pouco, é menos que um salário mínimo. Mas ela talvez tenha esquecido de dizer que são 400 reais por 12 horas de trabalho semanais. Se o menino ou menina trabalha mais do que isso, o orientador está de fato, explorando o coitado ou coitada. Aliás, existem várias maneiras de explorar os meninos no laboratório. O termo Iniciação quer dizer algo relativo a iniciar a molecada na ciência. E para isso, tem-se até uma bolsa. Iniciação não é mão de obra barata. É aprendizado, acompanhamento de perto das atividades dos caras, ensinamentos. Bolsista de IC não é estagiário. Não penso a Iniciação Científica como um estágio, mas como uma iniciação a pesquisa e ao desenvolvimento. Estágio está mais relacionado a treinamento.

Faltam bolsas? Faltam, mas não é uma questão relativa a pesquisa e sim a própria estrutura da universidade que temos e a grande desigualdade social do Brasil que não se resolverá nos próximos 50 anos. Não vejo que os meninos que "trabalham" no laboratório sem bolsa, estão fazendo isso "de graça". Ele é voluntário. Está ali por que quer. Terá a chance de iniciar-se na pesquisa e poderá ter trabalhos e artigos com o seu nome. Cabe ao orientador não exigir desse sujeito dedicação total a pesquisa, 12 horas de trabalho, fim de semana dedicado, essas coisas. Mas é muito importante que tenhamos voluntários nos laboratórios até para saber se é isso mesmo que o sujeito quer da vida. 

Essa cara poderia ser remunerado? Claro que poderia, mas dizer que isso é uma tragédia e que é vexaminoso, penso ser um exagero. Importante salientar que essa prática é muito comum em vários países do mundo, inclusive em grandes universidades. Nunca haverá bolsa pra todo mundo. Em lugar nenhum.

Carreira científica é questão de escolha. Você sabe que a bolsa de mestrado é de 1350, que a de doutorado é de 1800, que cê não contribui pra previdência, que não tem carteira, não tem direito trabalhista etc e tal. Você sabe que se tivesse escolhido Engenharia, Advocacia entre outras profissões, estaria, nesses 7 ou 8 anos (mestrado e doutorado) que fez a pós ganhando horrores, rachando de ganhar seus 5 mil, 7 mil ou mais de reais, certo? Certo. Então é simples. Faça engenharia ou advocacia. A questão é de escolha, é de gosto, é de prazer. Quer ganhar dinheiro, tá na profissão errada. Mesmo porque, no mestrado, você recebe praticamente 2 salários mínimos para estudar e no doutorado, 3 salários mínimos para o mesmo fim.

Pessoal, por favor, não me venha dizer que fazer mestrado e doutorado é difícil, cansativo, que você trabalha todo dia as 8 horas completas, que comparece todo dia no laboratório, etc e tal que sei que é mentira. Pode me xingar a vontade, mas cursar pós graduação em qualquer laboratório NÃO é a mesma coisa de trabalhar 44 horas por semana na profissão que você escolheu. É muito mais simples e com menos responsabilidade.

Bom, aí ela continua a fazer comparações entre estudantes de pós e seus amigos que já estão no mercado de trabalho, rachando de ganhar dinheiro, e você, lá, pobrão da vida! Coitado de você que fez essa opção, né? Estava enganado o tempo todo. Depois ela fala que você enfim, após acabar o doutorado, vai para o mercado de trabalho, que são as universidades e que elas contratam professores e não pesquisadores.

Ora, a maior vantagem das universidades públicas no país é o tripé ensino, pesquisa e extensão. Você terá aulas com pesquisadores e os exemplos que eles podem ou não dar em sala de aula tem relação com suas pesquisas. Esse é um dos aspectos que diferenciam as universidades públicas das particulares. Se o cara acaba o doutorado e nunca deu aula na vida dele, aí, sim, temos um problema. Como um sujeito que irá ministrar aulas em nível superior nunca deu aulas  na sua vida? Esse é o problema que temos que atacar, considerando-se que a boa pesquisa se produz na universidade. Vejam bem, temos que remediar um problema e não atacá-lo como se isso fosse ruim para a universidade. Não é. Professor Universitário tem que dar aula, além de fazer sua pesquisa. É importante para ele, para sua pesquisa e para o país. Se tivéssemos somente institutos de pesquisa, nos quais os grandes pesquisadores não ministrariam aulas, as universidades periféricas do país ficariam com o que? Não fariam pesquisa? Formariam somente mão de obra? Penso que, talvez, por trás dessas falas da professora sobre a necessidade de termos cargos de pesquisador no Brasil, dentro das universidades está travestida dessa ideia, da qual, como podem ver, não concordo.

Depois ela fala que você não ganha um centavo a mais para produzir ciência no Brasil. Uai, você é contratado para fazer pesquisa, ensino e extensão, então, já tá incluso no pacote salarial. Não entendi. Talvez ela esteja se referindo ao fato de que não ganhamos nenhum centavo a mais por orientarmos 8 mestrandos e 6 doutorandos além dos alunos de IC. Mas, não existe obrigatoriedade aí, não. Eu posso orientar um mestrando e um doutorando. Na hora da redução do trabalho na universidade todo mundo quer cortar a carga horária de aula, mas ninguém pensa em diminuir as orientações. Engraçado, né? Ou seja, o cara quer ser apenas pesquisador. Ponto. Essa não é nossa realidade. Grandes pesquisadores internacionais não deixam de ministrar suas aulas na graduação. Simples assim.

E vai dizer que tá faltando vaga para doutor no Brasil, hoje? É até engraçado. O problema, que talvez ela não tenha se atentado, é que muitos caras acabam o doutorado, recém doutores, querem ficar no sudeste, nos grandes centros. Ninguém quer sair da zona de conforto. Ninguém quer fazer ciência de fato fora do sudeste. Ninguém quer abrir caminhos. Ninguém quer fazer o país crescer. Uma quantidade grande de doutores ficam fazendo pós doutorado enquanto uma série de universidades PÚBLICAS no Brasil não preenchem suas vagas por falta de candidato doutores.

Conheço alguns casos de recém doutores que saem do sudeste e começam a trilhar um caminho árduo em fazer ciência fora do eixo sudeste. Nenhum está insatisfeito, pois passam a sentir que estão colaborando para o crescimento do Brasil e estão nos locais onde se precisa de fato de gente que queira desbravar.

Finalmente, o salário. Não vou me alongar. Nosso salário é equivalente aos salários de professores-pesquisadores europeus e estadounidenses. Com poucas variações, para baixo e para cima.

Sinceramente, não acho que um recém doutor, que nunca deu aula, contratado em uma instituição pública, efetivo após 3 anos, garantido nos próximos 30, com no máximo 16 horas por semana de aula (professor do ensino médio ministra isso com os pés nas costas e para adolescentes!!!), sendo que a média nacional é de 10 horas aulas, ganhe pouco, ou que tenha que ganhar de fato, 15, 20 mil. Vejam bem, não é o doutor no Brasil que ganha relativamente pouco, são as outras profissões que não exigem título que ganham relativamente muito!!! Isso também é desigualdade social.

Salário inicial de um doutor no Brasil, líquido. Aproximadamente 6 mil e 200. Pouco? Não. Muito? Também não. Poderia ser mais? Ou os outros cargos, como os da Receita Federal poderiam ser efetivamente menos? Compatíveis com a função? Essa é a discussão.

Bem, me alonguei demais. Sintetizando, penso que a visão da professora, sem desmerecer sua grande contribuição a ciência no Brasil, não confundo uma coisa com a outra, ainda é um tanto positivista em relação ao papel do pesquisador na universidade e claro, à sua formação. 

O assunto é controverso, aceito críticas. Lembrem-se sempre de descer o bambu nas ideias e não na pessoa.

É isso.

9 comentários:

  1. Muito Bom! Ponto a ponto foi rebatendo a argumentação da referida cientista!

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  2. " Pode me xingar a vontade, mas cursar pós graduação em qualquer laboratório NÃO é a mesma coisa de trabalhar 44 horas por semana na profissão que você escolheu." Ainda bem que vc me permitiu e confesso que quando eu li isto aqui me deu vontade sim de te xingar... Afinal, temos que ser cautelosos com as generalizações tendenciosas!

    E por mais que eu concorde com as demais afirmações, temos que repensar o modo que este país faz pesquisa; o fardo da pesquisa, que hj esta por conta das universidades( e outras inst. públicas, como a Petrobrás e a Embrapa), tem que ser dividido com as empresas e instituições privadas, pq essas sim têm dinheiro suficiente e podem fazer que as "descobertas científicas" não permaneçam restritas a artigos que, inutilmente, engrossam currículo lattes dos pesquisadores... ora bolsas não faltam, ultimamente tem faltado alunos(me lembro bem que no começo do ano, quando se estavam encerrando o período de inscrição no PIBIC fui abordado por nada menos que 5 professores desesperados por um pobre aluno de ic e muitos tão procurando até hj)

    Quanto a renumeração sempre tive a sorte de conseguir bolsas um pouca mais "gordinhas"(rsrsrsr)que as que são normalmente praticadas mas sinceramente falar que os 1800 reais "pagos" para o cidadão que faz doutorado são suficientes "pq tem muita gente neste país que vive com menos" é um discurso hipócrita e injusto... Ora, já disse e repito, meu pai que é pintor de construção civil tem O Ens. medio imcompleto ganha mais do que isso... Daí, se depois o recém-doutor, tem a sorte de conseguir um emprego num centro de pesquisa do exterior, fica com a pexa de 'Judas' uma vez que ele "não contribuirá com a sociedade cujos os impostos custeou sua formação "

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    1. Já parou para pensar que em virtude da entrada do capital privado nas universidades públicas as "descobertas científicas" adquirem um caráter estritamente mercadológico? Este fundamentalismo desliga a ciência do universo filosófico e ético e a reduz a mera produtora de patentes e concentradora de conhecimento nas mãos das elites corporativas. Ciência não é prostituta! É melhor deixar o "fardo" das pesquisas com as instituições públicas. A sociedade agradece...

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    2. Bom argumento Eli Jr. No entanto, ainda acho que 44 horas semanais é mais doído que um mestrado ou doutorado. Não fui tendencioso. Foi só uma opinião, já que essa ideia, definitivamente, não é uma tendência, havendo um grau grande de discordância, como por exemplo, a sua. Um abraço e ainda bem que não me xingou, eheheheh.

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    3. Gonçalves. Concordo com toda a sua fala.

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  3. Honestamente quem melhor deveria ser remunerado no Brasil são os professores e professoras da educação básica, afinal eles formam o alicerce para todas as demais trajetórias do sujeito. Mas, vejamos a questão do tempo em laboratório, discordo em partes de vc meu caro Marlon, desde que comecei a cursar o mestrado não tive férias, fiquei doente e mesmo assim tive que escrever artigo, fazer sintese e por ai vai, detalhe fim do ano, férias, mentira já tem artigo para escrever, texto para estudar entre outros. Sim, 1.35o é pouco, pense, isso para quem não mora com os pais é pouco, principalmente quando a inscrição de congresso para aluno de pós fica acima de 300 reais, sim vc tem que ir em muitos congresso se quer um currilo digo de ser aprovado em universidades federais. O mais dificil do mestrado/doutorado é que ele é um filho vc pensa nele o tempo inteiro. Agora vem a melhor parte do mestrado, " vc só faz mestrado?", eu tenho vontade de sumir quando escuto isso, alguém tem noção da responsabilidade que é fazer uma pós, vc vai para sua casa e ela vai junto. Eu já trabalhei em comércio ganhei duas vezes o valor da bolsa e somado a isso tinha outra vantagem eu saia e esquecia de tudo, no mestrado não, vc não desliga, toda hora vc pensa nessa coisa.Acho que tinha que ter pscicologos para aluno de pós...

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    1. Oi Anônimo (Da próxima vez, coloca seu nome no fim do texto). De fato, ocorrem casos como o seu. Toda generalização é burra, como insinuei ao Eli, logo acima. O que quis dizer e acabei não sendo muito claro é que, mesmo que a grana seja menor e tenhamos pessoas compromissadas como parece ser o seu caso, as 44 horas semanais são sim mais doídas, quando consideramos que há uma parcela pequena de mestrandos e doutorandos que de fato sofrem com seu trabalho. O normal é o contrário. Agora, quanto a remuneração, acho suficiente. Os congressos é que são um absurdo e além disso, alguns programas de pós poderiam financiar um congresso por ano para o pós graduando. Bolsa não é salário. Boa discussão. ABraço.

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  4. Concordo plenamente com a maioria de suas considerações Márlon, mas na minha opinião dependendo da pesquisa uma pós requer muito trabalho, e quanto ao valor da bolsa, depende muito das condições de vida de cada um. Entretanto, não deixa de ser uma escolha.
    Achei interessante o argumento da pesquisadora de lutar por uma melhoria nas condições da carreira científica, assim como professores da rede básica devem lutar pela melhoria das condições de trabalho e não aceitar essas condições simplesmente porque já sabia que seria uma carreira ruim. Contudo, é preciso ter cuidado com a visão positivista de quais seriam essas melhorias, pois o que está bom ou ruim depende de muitos fatores. E em muitos deles concordo com você professor.
    Abraço!

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    1. Muito bem, Flávia. Gostei da sua posição. Se há muitos pontos que você concorda comigo, há alguns que não concorda. Isso que acho mais legal. A discordância que leva a discussão e a formação de opinião. Abraço.

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